a new yorker diz que se a francês mcdormand ganhar o oscar, com nomadland, ela deve ir de crocs à cerimônia. isso é um elogio e ela e o filme são um só, numa relação entre personagem e narração que é como a da dança com o dançarino. já se falou muito sobre o nomadismo como uma alternativa ao enraizamento rural, à estabilidade urbana e às convenções burguesas. mas ainda não como um gesto de desespero, de fuga da dor. nesse filme sentimos essa dor, mas também afetos expansivos entre pessoas que não se conhecem, o que inibe as sempre previsíveis culpas e egoísmos. hoje lembrei que meu pai gostava de falar bonito e dizia aposento em vez de quarto. sempre que eu ia ao médico com ele, antes de o médico perguntar qualquer coisa, ele já dizia: urina, bom; fezes, bom. começava uma frase com “referente a” e, para pedir um beijo meu, mostrava a bochecha e dizia: “aplica”. beijo, pai. beijo, francês.